oi, você. voltei pra sua caixa de entrada e ainda não sei para onde as palavras vão me levar dessa vez. faz tempo que não escrevo e só estou aqui agora porque os dois últimos itens da minha lista de tarefas são justamente aqueles que eu não estou nem um pouco afim de fazer.
eu estou tentando não sentir culpa por não escrever há semanas. afinal, ninguém está me cobrando, poucas pessoas sentem falta do meu nome na sua caixa de entrada, e, principalmente, eu sinto que tenho investido bem o meu tempo em outros afazeres.
não gosto nem um pouco que a ausência de culpa vem a partir do sentimento de produtividade. queria não operar nessa lógica, mas algumas raízes são muito profundas, difíceis de arrancar. essa produtividade, inclusive, não vem do meu trabalho remunerado (como você vai ver), mas de estar preenchendo meu tempo com coisas que, até então, eram itens não riscados de uma lista.
eu tenho, por exemplo, priorizado minha vida social. nas últimas duas semanas, encontrei três amizades que não via há bastante tempo & ainda esbarrei com outra na rua sem querer. também segui com a manutenção das amizades atuais, bebendo um drink aqui, fazendo uma visita ali, recebendo pessoas na minha casa. semanalmente, encontro S. numa sala virtual pra gente conversar e ler em conjunto — estamos no terceiro livro e na sexta semana consecutiva de encontros.
resgatei um curso da domestika que comprei no ano passado e não tinha ido além do vídeo de introdução. venho abrindo (e não só movendo para uma pasta designada a emails não-lidos) os emails das dezenas de newsletters que assino: minha preferida no momento é a do manual do usuário. voltei a escutar podcasts & eles tem me incentivado a fazer caminhadas pelo bairro para arranjar uma oportunidade de ouvi-los — uma maneira de fazer exercício físico e conhecer a vizinhança que ainda é meio nova pra mim.
essas coisas tem me feito bem, pois sinto que saí de um modus operandi que incluía trabalhar, assistir série, cozinhar e comer. ao mesmo tempo, fico pensando se não estou fazendo esse monte de coisa só pra ter uma sensação de produtividade e me distrair de um fato que encaro com dificuldade: estou trabalhando muito pouco.
como profissional autônoma é normal passar por isso. às vezes tem muito trabalho, às vezes não tem trabalho algum. normalmente, nesses momentos de baixa, eu costumava ir atrás de trabalho de maneira ativa. ao longo do tempo, percebi um padrão: eu aceitava a primeira coisa que aparecia, geralmente um trabalho mais fixo numa tentativa de neutralizar a ansiedade, mas que, a longo prazo (ou nem tão longo assim), não se encaixava nas minhas necessidades, aí eu ficava deprimida e desistia.
em abril, eu tive um episódio depressivo que, somado ao momento de baixa no trabalho remunerado, me fazia pensar em como é objetivamente difícil ser adulta — e, claro, como tudo piorou desde a pandemia. financeiramente, eu fazia muito mais com meu dinheiro antes de 2020, mesmo que hoje, olhando só para os números e não o que eles significam, entre mais dinheiro na minha conta (quando entra). aí eu abro o instagram e as pessoas estão viajando internacionalmente, comendo em restaurantes caros, sei lá, é frustrante.
nesse último episódio depressivo, eu lembrei com muito carinho de 2019 — ano que eu chamo de O Mais Feliz da minha vida adulta. foi quando a cantina do duds, meu antigo negócio de marmitas estava no auge. E. e eu produzíamos cerca de 90 refeições por semana, cada uma com 500g, a maioria do insumos eram agroecológicos comprados direto com os agricultores e as entregas eram feitas de bicicleta. era um trabalho prático, com propósito, que construía redes em vez de criar competições, e o design gráfico, minha fonte de renda há 10 anos, era pra mim. financeiramente, a gente ganhava pouco dinheiro: E. e eu fazíamos um salário mínimo cada. mesmo assim, eu estava feliz e conseguia administrar bem a minha ansiedade, apesar do dinheiro contado.
faz um tempo que olho pra 2019 e sinto uma mistura de saudade e raiva do que me foi arrancado. mas, neste momento de baixa, não quero seguir aquele padrão da busca por qualquer emprego. vou insistir mais um pouco nas coisas que eu quero, em vez de ir atrás das que eu acho que devo, assim como a luana pré-pandêmica fez. enquanto é possível, ou seja, enquanto tiver algum dinheiro na minha conta, quero usar o tempo ocioso que experimento um pouco todos os dias para encontrar novos caminhos. aviso vocês das minhas descobertas.
abraços,
luana
PARA LER
das leituras conjuntas com S., eu sou obrigada a sugerir êxtase & outros contos, da Katherine Mansfield, que saiu recentemente pela antofágica.
O que fazer quando você tem 30 anos e, ao virar a esquina da sua própria rua, é tomada, repentinamente, por essa sensação de alegria — pura alegria! — como se, de repente, você tivesse engolido um pedaço brilhante do sol da tardinha e ele queimasse no seu peito, trazendo chuviscos de brilho a cada partícula, a cada dedo da mão e do pé? Ah, não há como expressar isso sem parecer “bêbada e errática”? Como a civilização é tola! Por que ter um corpo se é preciso trancá-lo numa caixa, como um violino muito, muito raro?
nas leituras de apoio, a gente descobre que o título original do conto que dá nome ao livro é “bliss” e que foi Ana Cristina Cesar quem primeiro traduziu para “êxtase”.
Carla Soares traz uma baita reflexão sobre a vida no campo em sua newsletter. colegas a perguntam se, ao morar no campo, o plano dela é ser agricultora, como se não houvesse outra coisa para fazer lá senão produzir alimentos para a cidade. por outro lado, ela escuta pessoas dizendo que adorariam fazer o mesmo que ela — quando se aposentarem. ela se pergunta se essa aposentadoria vai vir com um ou dois funcionários, pois o dia a dia no campo dá mais trabalho. me identifiquei um pouco com essa última parte, pois, apesar de morar no perímetro urbano, há três anos escolho morar longe dos centros e escuto coisas parecidas. na contramão do discurso quero-morar-no-campo-quando-me-aposentar, Carla reflete: quem sabe, o melhor lugar para a aposentadoria seja nos centros urbanos, onde o acesso a serviços é amplo e a manutenção do espaço, menos trabalhosa.
apesar de publicar no substack, admito que odeio a plataforma. Rodrigo Ghedin, do manual do usuário, reflete:
Entendo o apelo do Substack. Disparar e-mails não é caro, mas não é de graça, e um serviço completamente gratuito como o Substack é tentador. Diria até que é o motivo de tantas newsletters terem surgido nos últimos anos. […] O fato do Substack ser o único totalmente gratuito não é por acaso. Alguém está pagando essa conta; não são filantropos e essa gente vai cobrar caro lá na frente.
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PARA OUVIR & ASSISTIR
discretamente, joguei no meio do texto o link pra um episódio do podcast vibes em análise sobre culpa. de todos que ouvi, esse é meu preferido até agora, mas o episódio que saiu no dia do trabalho, sobre descanso, traz ótimas reflexões também. em especial, essa: o livro do byung-chul han sobre a sociedade do cansaço é ótimo, mas ele foi escrito há 10 anos e não é o único pra gente estudar as consequências do neoliberalismo ou a sociedade do desempenho. bora diversificar nossas fontes.
ainda nos podcasts, eu sou cadelinha da rádio novelo e fiquei chocada com a segunda história desse episódio do rádio novelo apresenta: aparentemente, Edmond Halley — o mesmo cara do cometa halley — passou pela ilha da trindade, hoje território brasileiro, entre os séculos XVII e XVIII, deixou umas cabras lá e elas comeram toda a vegetação, levando até uma espécie endêmica à extinção. vale ouvir o episódio porque essa parte é só uma nota de rodapé na história toda.
eu amo drinks licorosos, como negroni, dry martini e old fashioned. depois do meme do negroni sbagliato with prosecco in it, fiquei com muita vontade de provar essa versão do negroni e gostei, mas ainda prefiro o original. esse vídeo conta a história do drink no bar basso, em milão, onde ele foi inventado.
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PARA COMER
ultimamente, estou viciada em fazer bolinho de leguminosas. são muito fáceis de fazer e armazenar. o segredo é usar os grão crus, mas demolhados. eles são perfeitos pra fritar: a leguminosa solta amido durante a fritura, aí eles não se desmancham. eu não tenho air fryer, mas aposto que fica bom também. pra assar, indico cobrir a forma com papel alumínio pra manter a umidade e os bolinhos não ficarem secos. meu preferido no momento é o bolinho de soja, feito com o grão mesmo, como falei, não a pts. / modo de preparo: deixa os grãos de molho por 12 horas e depois tritura no liquidificador ou processador — a textura que você busca aqui é um espécie de pasta pedaçuda. agora é só adicionar sal & temperos (capricha nessa parte!) e moldar os bolinhos. pode fritar/assar na hora ou congelar. abaixo, bolinhos de soja e lentilha que assei com alguns tomates e berinjelas.