a internet me conta que um ribeirão é um curso d’água menor que um rio e maior que um riacho. eu não sei identificar um ribeirão quando vejo um, chamo tudo de rio ou riozinho, mas a palavra — ri-bei-rão — sempre existiu no meu vocabulário. minha mãe é de ribeirão pequeno em laguna, santa catarina. a mãe dela ainda mora lá, onde eu sempre passei meus verões. ribeirão, pra mim, lembra casa perto da praia, peixe fresco na mesa e dias tranquilos.
e como a vida tem dessas de dar uma volta completa, agora quem mora no ribeirão numa casa de madeira com vista pro mar sou eu. dona matildes segue lá na casa dela, plantando mandioca e assistindo tv demais: o ribeirão que eu tô falando aqui é outro.
nos últimos dois anos, eu morei em são joão do rio vermelho numa casa perto do mar e da floresta, com 56 janelas e um telhado verde, que tinha até apelido: casa do sol. no final do ano passado descobri que teria de me mudar & uns dois meses atrás fiquei sabendo para onde iria: uma casa rosa, também de madeira, numa pirambeira ao sul do sul de florianópolis. o trajeto mais rápido entre as duas casas é de 45,5km — a sensação é que eu mudei de cidade e meus amigos foram junto.
a adaptação não foi fácil e eu tentei diversas vezes escrever sobre o processo, mas não consegui — era tanta coisa acontecendo nas primeiras semanas pós-mudança que os rascunhos do dia anterior não faziam mais sentido no dia seguinte. até que as situações desafiadoras começaram a perder espaço, seja porque foram resolvidas ou porque se transformaram em coisas do cotidiano, e os dias não eram mais tão difíceis, eram só dias. até minha gata já passou pelo processo de adaptação dela: três horas embaixo da cama, um dia no quarto, dois dentro de casa; no quarto dia eu abri a porta da cozinha, ela explorou o quintal, não fugiu e nunca mais usou a caixinha de areia.
desde que cheguei:
já conheci alguns vizinhos & seus pets — um deles tem uma gata preta que se sente confortável o suficiente pra entrar na minha casa & outro tem um cachorro branco-caramelo que também entra em casa quando eu não estou olhando;
identifico os sons da noite e não tenho mais medo deles;
descobri a “entrada secreta” para a praia mais próxima (2 minutos de distância);
sei o dia e o local da feira do bairro & os horários de ônibus para voltar pra casa de cor;
conheci a mercearia mais próxima: uma casa na beira da rodovia com placas pintadas com tinta à mão: mercearia do vendelin; vende-se aipim limpo; vende-se cebola verde; vende-se ovos e galinha caipira. pagamento só em dinheiro. o dono do lugar é uma daquelas pessoas-personagens que, de bermuda e sem camisa, demorou 5 minutos para nos atender e nos segurou por mais 10 ao final do atendimento para contar sobre a época do exército & os shows que faz com sua sanfona;
ainda estou me acostumando com a pirambeira, mas a vista sempre faz valer a pena — e faz valer a perna também (esse morro me tirou do sedentarismo);
consigo ver o mar da cozinha, da sala, da mesa de jantar e até do quarto se eu deixar a porta da frente aberta. eu vejo como ele é mais verde próximo da costa, pois reflete a cor das montanhas, e quase sempre azul lá no fundo onde é possível ver uma fresta de mar aberto. vejo os barcos, as lanchas, os jetskis e os banhistas. no dia que escrevo esse parágrafo, fui na praia aqui da frente, e tinha uma família passeando de jetski bem próximo de onde eu estava nadando. lembrei daquela propaganda famosíssima e fiquei me perguntando sobre as estatísticas de morte por atropelamento no mar.
entretanto, as coisas que eu mais gosto — & que facilitou o processo de transformação dessa casa em lar — são as similaridades com o ribeirão da minha vó:
a proximidade com o mar e a maricultura;
por consequência, aquele cheiro marinho no ar;
barcos e pescadores à vista;
a rua principal e suas servidões que quase sempre são morros;
o relevo rochoso;
a quantidade absurda de mamoeiros (acho que eles crescem bem na rocha);
a arquitetura de algumas casas, seus quintais e o jeitinho de falar de quem mora nelas.
ainda não liguei pra dona matildes contando a novidade, toda vez que lembro já é muito tarde & minha vó dorme cedo. acho que vou tirar uma foto, escrever um poema e enviar tipo um cartão postal por correio: uma lembrança bem cafona que ela vai receber, sorrir e depois guardar em alguma gaveta onde ficará intocado por muito tempo. o que importa é o sorriso.
as ruas no ribeirão da minha vó não tem cep, as casas não tem número. para enviá-la qualquer coisa é só endereçar para a rodovia geral com o nome do destinatário que eles sabem onde entregar. a casa do meu ribeirão também não tem número e o ponto de referência é uma pessoa: elias: claramente, só quem é local conhece. gosto disso.
um poema que escrevi antes de me mudar:
meu quintal é o melhor lugar do mundo tem pitanga grumixama araçá sombra & grama verde pra sentá uma pena vou ter que me mudá bye-bye mô quiridu meu próximo quintal é o melhor lugar do mundo
"o que importa é o sorriso."
gostei :)
o poema pfto o texto pfto