já faz dois meses do começo do fim do meu mais recente burn out, e quase um mês desde que finalizei o último dos projetos que, somados, me sobrecarregaram.
no texto que escrevi sobre o meu esgotamento, mencionei que, no início, foi estranho não ter “nada” para fazer, mas isso durou apenas uma semana. foi bem rápido me adaptar a um ritmo menos acelerado de trabalho. ao longo dos dias, eu passei a ter uma rotina matinal que não incluía só virar uma xícara de café preto goela abaixo e sentar na frente do computador sem nem dar uma alongadinha.
agora eu acordo a hora que sinto vontade — às vezes cedo, às vezes tarde —, alimento os gatos, coloco água pra esquentar enquanto seco alguma louça na pia, passo meu café, escolho uma xícara diferente para tomá-lo todos os dias e, se tem sol, vou pro quintal olhar as borboletas no maracujá ou, então, pra frente da lareira em dias de chuva. E. geralmente está lá com o fogo aceso e a gente conversa sobre nossos sonhos da noite anterior e os planos para o dia. tomo um café da manhã demorado, conversando com as amigas que dividem a casa comigo e sento para trabalhar depois das 10h, 11h, 12h.
nessas últimas semanas, fechei novos trabalhos e levei meus aprendizados do último burn out para os novos projetos: reajustei meus valores, reavaliei o número de horas que posso me dedicar a cada coisa, estou tentando ser mais clara quanto aos meus limites, dificuldades e necessidades, e me esforçando para não categorizar tudo como extremamente urgente. colocar isso em prática tem me dado dias de trabalho mais leves, com menos volume de tarefas, mais tempo ócio, menos reuniões, menos grupos de whatsapp, mas com uma remuneração igual ou maior do que no período de esgotamento. e eu tenho me sentido… culpada?
eu sei, eu sei, síndrome da impostora, etc. mas saber que os pensamentos impostores são um sintoma disso não os evita, apenas me ajuda a refletir sobre o que eu penso & sinto depois de já ter pensado & sentido. também não sei se culpada é realmente a palavra certa. o que eu sinto se ramifica em dois caminhos de pensamento, sendo a) eu não mereço isso; e b) estou me enganando ao achar que é possível ter o que eu tenho trabalhando tão pouco.
nesse texto, eu menciono como entro fácil na lógica do sofrimento/merecimento. quando ganho mais, gasto mais. quando o trabalho diminui, eu entro numa espiral de ansiedade, mesmo que eu deseje/precise desacelerar. “estou gastando demais” é um pensamento recorrente nesses momentos. a minha falta de planejamento financeiro não ajuda nesse processo, confesso, mas aqui o ponto nem é esse: uma vez que não me sobrecarrego trabalhando, ou seja, uma vez que não sofro, penso “por que estou me recompensando se não fiz nada para merecer isso?”.
no romance uma mulher sem ambição, escrito em forma de diário, a autora sabina anzuategui nos apresenta um mês na vida de sua personagem mercedes. depois de largar a carreira de roteirista e se divorciar do marido rico, ela vai vivendo meio à margem de um sistema que não lhe parece mais tão atraente. na história, após sair de uma ligação com a amiga que a indicou para um projeto que todo mundo, menos mercedes, parecia achar incrível, ela escreve:
Eu só queria um pouquinho mais de dinheiro. Só um trabalho simples e inofensivo. Uma tarefa curta, um bico, um quebra-galho. Não uma série que vai exigir dedicação de segunda a segunda, das oito da manhã à meia-noite, que vai invadir meus pensamentos no sono, no banho, no vaso sanitário. Que vai me estressar e me induzir a gastar meu pagamento em restaurantes e bebida ou qualquer outra satisfação rápida.
me identifico um pouco com mercedes. ela trabalha, mas poucas horas na semana; entra no negativo no fim do mês, mas não deixa de comprar o creme para cachos que tanto gosta; tem amigas da classe média alta paulista com quem marca jantares (na casa delas, sempre), mas não se identifica mais com aquele universo, pois entende que ele vem às custas de coisas que ela não quer abrir mão, como tempo ocioso e uma mente livre de Problemas Do Trabalho Que Não São Realmente Importantes.
em outra passagem, mercedes escreve:
Deve ser possível — de alguma maneira misteriosa — viver em harmonia com os ritmos naturais do corpo. Trabalhar em turnos confortáveis, sem gastar as horas livres cultivando relações estratégicas. Mas esse mistério ainda não resolvi.
também não sei, mercedes. agora que estou trabalhando menos porque fui atrás disso, me sinto ansiosa com problemas financeiros que não existem e a sensação de estar vivendo uma vida que não mereço.
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desculpa incomodar e bora pra terapia. abraços,
luana