eu entro facilmente na lógica capitalista da recompensa: sofro, logo mereço. trabalhei demais, logo mereço encher a cara de espumante; me estressei o dia todo, logo mereço pedir um delivery enquanto assisto algo inútil na internet. e assim ajudo a alimentar a máquina capitalista, com força de trabalho e poder de consumo. que delícia! mas chega de shade no sistema, hoje eu quero falar do dia que eu me levei pra jantar depois de um desses dias difíceis que eu achava que merecia algo.
eu voltei a fazer terapia presencialmente e, olha, poucas coisas são tão boas quanto deitar no divã depois de um dia cheio e cansativo. só que o horário que eu saio da análise ainda é meio hora-do-rush, então prefiro matar um tempo no centro e pegar o ônibus de volta pra casa mais tarde. nesse dia, decidi sair pra jantar sozinha.
como eu vinha de semanas de muito trabalho, logo mereço algo chique, pensei. fui atrás disso. enquanto comia minha pizza marinara individual e bebia uma taça de chardonnay, fiquei pensando sobre algo que minha amiga C. falou. ela disse que existem quatro tipos de pessoas: tem os pobres, os pobres que acham que são ricos, os pobres premium, e os ricos. ela disse que ela e eu estamos na categoria dos pobres premium. não recordo de mais nada dessa conversa, foi mal. queria lembrar o que cada uma das categorias significa e porque eu sou pobre premium. de qualquer maneira, era nisso que eu estava pensando enquanto jantava comigo mesma.
pois, veja bem: lá estava eu, com um tênis que custa quatrocentos reais e um moletom de brechó sujo de molho; tomando a taça de chardonnay mais barata do bar; num espaço que já foi um lugar de operários e que, agora, estava apinhada de pessoas brancas de classe média. a atendente do bar de vinhos me deu várias mini taças para degustar: claro, ela me viu como parte daquela cena, afinal, o que eu sou se não uma branca de classe média também? no máximo, eu tenho consciência de classe e um histórico de militância marxista, mas o que isso muda? sou mais próxima daquelas pessoas usando roupas de marca, conversando sobre seus trabalhos chatos e possíveis viagens com o golden retriever sentado aos pés, do que da população sem acesso a direitos básicos de quem eu tanto falo sobre.
perdi o fio da meada tentando #lacrar, mas, na real, quero insistir mais um pouco na fala da minha amiga sobre os pobres premium. ontem, depois de querer & poder pedir uma taça de vinho e uma pizza, desde que fossem as mais baratas do cardápio, eu concluí que meu lifestyle é chique moderado (e talvez esse seja o tal do pobre premium?) e, olha, eu acredito que quem mais merece um bom vinho, uma jacuzzi e sais de banho é a classe trabalhadora e não os milhares de herdeiros mundo afora.
tem dias que a gente tá pra macarrão isabela e outros que a gente tá pra uma massa de sêmola italiana comprada nesses supermercados gourmet que eu entro já querendo ir embora, mas é justamente esse equilíbrio que eu gosto. depois de comer & beber, levei minha taça no balcão do bar e a bandeja na pizzaria, pois fiquei com vergonha de deixar tudo jogado na mesa — e com mais vergonha ainda depois de ver a cara dos atendentes, pois, aparentemente, isso não é comum por lá. enquanto isso, voltei pra casa num ônibus de quatro e cinquenta, depois de gastar sessenta reais na minha janta. o próprio uso da palavra janta já mostra que o chique é um esforço ativo no meu estilo de vida, não algo inconsciente. e a lista continua: já morei numa casa com banheira que só tinha água fria; hoje, moro numa casa com lareira, mas só porque divido o aluguel com mais quatro pessoas; tenho um tênis de marca que comprei usado e paguei em duas vezes, etc.
quem é chique moderado bota o dedo aqui que já vai fechar. e me chama pra tomar um vinhozinho na sua casa.
¡hasta luego!
luana
"não recordo de mais nada dessa conversa, foi mal. " Essa parte eu esbocei uma sorrisa DEMAIS kkk.