essa coisa de escrever toda semana tem sido uma experiência engraçada. no começo, eu tinha inúmeros rascunhos com frases soltas, parágrafos únicos, às vezes só um título. eu queria ter muitas ideias na manga pra não correr o risco de ficar sem nenhuma. mas, na prática, não é bem assim.
tem um episódio muito bom do podcast da aline valek, bobagens imperdíveis, sobre rotinas criativas. foi nesse episódio que eu descobri que o murakami, autor japonês que entrega tudo que eu gosto num romance, corre todos os dias. eu não corro todo dia, infelizmente, mas pensar nisso sempre me lembra de uma outra frase que eu escuto com frequência: pra escrever você precisa viver.
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a semana passava e eu não fazia a menor ideia sobre o que escrever. o sol abriu rapidamente no meio de uma semana úmida & nublada e eu decidi sair pra caminhar.
estava passando uns dias numa pousada no outro lado da cidade, isso ajudou. minha caminhada foi curiosa, explorei um bairro que não conhecia. estrada de chão escuro, casas de bioconstrução, uma praia vazia com mar tranquilo.
eu estava me sentindo muito feliz. eu amo conhecer lugares novos e é muito satisfatório ter um trabalho que me permite fazer isso no dia a dia. com 25min de caminhada, cheguei à praia. descobri que a praia ao lado era uma que eu sempre quis visitar. fui me aproximando, então, do final direito da faixa de areia que levava à trilha até a outra praia. haviam muitas pedras. e um homem sentado nelas.
meu primeiro movimento foi olhar pra trás. vi que duas mulheres estavam caminhando juntas na mesma direção que eu. fiquei mais segura e segui em frente. chegando mais perto, o homem parecia inofensivo. ele não se moveu nenhuma vez desde que me aproximei. não pareceu interessado na minha movimentação.
o volume de pedras ia aumentando, a maré estava subindo e eu não queria me molhar. tinha levado poucas roupas para a pousada e, com o tempo úmido, nada secaria. uma outra mulher, correndo pelas pedras pra evitar a maré alta, caiu. o marido foi ajudar. desisti de acessar a praia por aquele caminho. uma das mulheres que estava com a amiga me disse que dava pra acessar a praia que eu queria pela estrada. fui atrás desse trajeto.
mas parei novamente. a estrada parecia longa e estava completamente vazia. se você não é um homem cis, provavelmente entende porque eu parei. não é medo do vazio, mas da impermanência dele. medo de, de repente, avistar uma pessoa, quase sempre na figura de um homem, que pode se aproveitar do vazio e não ter ninguém por perto pra quem pedir ajuda.
isso me deixou chateada. claro que eu penso: que medo bobo. eu devia apenas ir, não tem nada acontecendo. é uma vila, um bairro pequeno, deve ser seguro. depois eu sinto raiva e é esse sentimento que prevalece. por que eu sinto medo? por conta de todas as histórias que eu já ouvi? de todas as mulheres assediadas e abusadas que viram estatísticas que eu leio sobre na internet?
queria ser livre pra acessar todos os lugares que eu quero conhecer. sozinha, se a circunstância for tal. mas a estrutura patriarcal me tira esse direito quando coloca o medo da rua no imaginário coletivo das mulheres — & de pessoas trans e queer. medo de ser violentada, de tomarem decisões sobre o meu corpo sem o meu consentimento. e isso gera evitabilidade: dei meia-volta pensando que o passeio fica para uma próxima vez quando eu estiver acompanhada de alguém.
e tem uma outra questão. enquanto eu caminhava na estrada vazia em direção à praia, eu tive um pensamento que já me ocorreu diversas outras vezes: talvez não me percebam como uma mulher. eu estava de boné, calça e blusa largas, tênis, cabelo curto. considerando a lente binária através da qual muitos enxergam o mundo, a bolsa tiracolo provavelmente me entregaria. e o pequeno volume na região do peito, claro. queria ter um binder, pensei.
eu gosto de como me expresso esteticamente, me sinto confortável dessa maneira. mas não posso negar que, quando estou nessas situações de medo, ter uma expressão de gênero menos “feminina” me conforta minimamente. eu não vou ser vista. eu não vou ser assediada. eu não vou ser considerada um alvo. será?
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até a próxima caminhada.
luana