parte 1: a militância
como muitos, meu primeiro contato com o veganismo foi através da ótica liberal, que dizia: o problema está no consumo, então vamos parar de consumir. mas quando eu passei a entender as estruturas de poder na sociedade capitalista, especialmente no capitalismo tardio, transformar os hábitos de consumo não me parecia colocar os animais na equação, só levava à mudanças individuais. ou seja, o veganismo e o marxismo andaram juntos na maior parte da minha trajetória militante.
o veganismo é a prática, a libertação animal é o horizonte. essa frase não é minha, mas ecossocialistas amam falar em horizonte e foi nesse meio em que militei por mais tempo e onde escutei essa frase. no início de 2020, fiz um curso de introdução ao ecossocialismo que me inspirou a estudar com mais profundidade a relação entre marxismo e veganismo.
em resumo, de acordo com o texto “18 teses sobre o marxismo e a libertação animal”, o objetivo do movimento de libertação animal é excluir os mesmos dos meios de produção. estaríamos falando em libertação quando os animais não fossem mais usados como ferramenta de trabalho ou matéria-prima para a acumulação do capital. claro: não se pode concluir que numa sociedade socialista/comunista os animais seriam automaticamente libertados, mas a luta contra o capital poderia criar condições para que as pessoas, coletivamente, tomassem a decisão de libertá-los.
e isso, na época, foi lindo de ler! me deu ainda mais vontade de lutar contra as opressões! e superar o capitalismo! e construir uma sociedade mais justa! socialista! viva a revolução!
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parte 2: desencantamento
eu não acredito mais na revolução.
foram muitos os fatores que influenciaram meu processo de desencantamento pela militância — do jeito que eu a experenciei, pelo menos. o principal deles (pra além dos meus privilégios) foi o coronavírus. existir no brasil, sob uma pandemia global, num apartamento com 2 horas de sol diárias, me deixou apática. militar nesse contexto e participar da construção de uma campanha eleitoral no mesmo período me fez perder as esperanças. sinto que falhei com paulo freire, mas eu botava muita fé nos meus camaradas e me frustrei. no fim, estavam todos buscando poder do mesmo jeito que as pessoas que eles criticavam faziam. orwell sabia bem: “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”.
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parte 3: boa garota
olhando em retrospectiva, os meios em que militei onde me senti realmente bem foi nos poucos espaços feministas que frequentei e na cozinha comunitária preparando refeições para pessoas em situação de rua. em quase todos os outros espaços de militância, hoje eu percebo, a minha participação não vinha de uma vontade genuína de estar lá, mas de um lugar narcísico. participar de planejamentos estratégicos, fazer mutirão em territórios vulneráveis, organizar uma palestra sobre o bem viver: eu me sentia uma boa garota e era importante pra mim ser lida dessa maneira pelos meus compas.
mas nem sempre as atividades da militância eram uma prioridade pra mim. no coletivo ecossocialista em que militei, abrir mão das tarefas claramente me tornava uma militante “menos valorosa”, o que gerava ansiedade e insegurança. então, passei a questionar: quanto vale participar de espaços e atividades que me geram esse tipo de sentimento?
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parte 4: escolhas
deixei a militância ecossocialista no final de 2020. de lá pra cá, passei a transitar por novos espaços, saí de uma bolha predominantemente marxista, urbana e vegana, dei unfollow em um monte de influencer-militante e fui viver outra coisa.
o maior aprendizado que tive nesse ano de não-militância ecossocialista-institucional foi entender que eu quero fazer as coisas, seja lá quais forem, porque elas fazem sentido pra mim, não por medo de julgamentos alheios. nesse processo, várias mudanças aconteceram: me abri para pensar novos horizontes, me alimento diferente, me mobilizo com as pessoas da minha rua/bairro. o foco são ações que geram impacto pra mim e pra minha rede, e isso tem sido mais rico do que falar em revolução daqui 20 anos ou de libertação animal pela classe trabalhadora.
eu aprendi muito no meio em que militei e ainda gostaria de viver numa sociedade onde os animais não são produzidos em massa. onde galinhas, vacas e porcos não são explorados para encher o bolso de quem já tem os bolsos cheios. mas todos os meios de mudar isso que me foram apresentados até hoje me parecem alimentar fantasias e muito personalismo político. quanto a mim, não faz mais sentido tomar decisões baseadas num futuro improvável ou por medo de ser contraditória: quero fazer escolhas que geram vida para o meu meio, e se eu suprir alguns desejos e não ficar ansiosa no caminho, melhor.
e se você ficou curioso/a pra saber como é a minha alimentação agora — eu não vou contar. :)
✱ 𝓯𝓲𝓶 ✱
abraços,
luana.