desde o dia em que taylor swift pousou na argentina, em meados de novembro, a ansiedade aterrissou junto com ela e preencheu todas as frestas da minha vida. seu primeiro show de turnê na américa do sul aconteceu no dia seguinte e eu assisti a todos os vídeos e shorts em baixa qualidade no youtube que o algoritmo me recomendou. não sei se você, leitora, compreende o significado de um show da taylor swift na américa latina em 2023: ela nunca tinha feito turnê aqui. havia fãs, como eu, esperando esse momento há mais de uma década. a compra dos ingressos foi um evento por si só, uma disputa online que eu, inclusive, perdi. só consegui o ingresso, semanas mais tarde, por intervenção divina: em julho, peguei um blablacar para minha cidade natal e o passageiro que sentou do meu lado tinha um ingresso a mais que precisava vender.
dos três shows na argentina, o segundo foi adiado para o domingo seguinte devido ao tempo ruim. essa notícia disparou o gatilho máximo da minha ansiedade: a emergência climática. pensamentos intrusivos invadiram minha mente, de maneira acelerada e incontrolável, e fiquei com náuseas por 3 dias inteiros. com o brasil vivendo eventos climáticos extremos, um adiamento por conta do tempo ruim não parecia difícil de acontecer. o que mais me preocupava, entretanto, não era só a possibilidade de não ver o show que eu esperava desde os quinze anos, mas o motivo disso ser as consequências do colapso climático — um problema com o qual a própria taylor swift colabora diretamente.
desde 2022, sabe-se que ela é a celebridade cujo jato particular emite a maior quantidade de dióxido de carbono, um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, fenômeno que colabora com o aquecimento global e as mudanças climáticas. por isso, quando ela voou para os estados unidos depois dos shows na argentina, em vez de seguir direto para o brasil onde faria uma série de shows dali quatro dias, o brasileiro fez o que dava para fazer: muita piada na internet. mas os memes começaram a perder a graça quando, no dia da primeira performance da cantora, o rio de janeiro passava por uma onda de calor histórica, cuja intensidade está diretamente relacionada ao colapso do clima.
no sábado de manhã, no instagram, uma mensagem da própria taylor swift sobre a morte de ana clara, a fã que perdeu a vida no primeiro show em decorrência do calor extremo. eram dois parágrafos no formato de stories dizendo que a fã faleceu antes do show e que ela não conseguiria falar sobre isso no palco: um não-pronunciamento. além disso, dizer que a fã faleceu antes, e não durante o show, fortalecia, justamente, uma narrativa que aliviava para o lado da marca dela e da produtora, a t4f. na hora, eu comprei a narrativa, fiquei chocada demais, mas, ao longo dos dias, aquela mensagem e o silêncio que veio depois, quebrado só no dia do último show em são paulo, deixaram um gosto amargo.
passei o dia acompanhando as notícias: água, alimentos em embalagens lacradas e leques agora eram permitidos no estádio, haveria ilhas de hidratação e copos de água seriam oferecidos gratuitamente para as pessoas. era final de tarde, eu estava vendo o sol se pôr atrás das montanhas no interior do rio de janeiro e os fãs que iam ao show naquele sábado já estavam no estádio, quando um novo stories é publicado no intagram da cantora: devido às altas temperaturas, que estavam mais extremas que na sexta-feira, o concerto não ia mais acontecer naquele dia. cheguei no airbnb a tempo de escapar da tempestade que caiu naquela noite.
no domingo, dia do meu show, eu estava pronta para mais um adiamento. naquele momento, até a ansiedade deu uma trégua e abriu espaço para a aceitação de um cenário não-favorável. a temperatura havia diminuído drasticamente, cerca de 15°c, mas estava chovendo e havia um alerta de tempestade. eduardo paes, prefeito do rio, virou o informante oficial da turnê e eu cancelei todos os planos do dia para acompanhar suas redes sociais e o bafafá no twitter, mas até as 17:00 tudo dizia que o show ia mesmo acontecer. a carona chegou, S. e eu fomos para o estádio com seis garrafas de água, quatro delas congeladas, alguns snacks, leque e capa de chuva. a fila foi um pouco caótica, mas entramos, fomos ao banheiro e esperamos, numa parte da pista que não estava tão aglomerada, o show começar.
a chuva foi uma benção naquele dia e as novas regras do que era permitido no estádio — que só passaram a valer por causa da tragédia de sexta-feira e da humilhação de sábado — proporcionaram a estrutura necessária para que a experiência no domingo fosse boa. ao mesmo tempo, o clima estava estranho. como S. diria pra mim mais tarde, foi agridoce. eu não sei que nome dar para a sensação que eu tive naquelas 3 horas e 20 minutos de espetáculo: a minha experiência foi boa porque a experiência de milhares de pessoas dois dias antes não foi. a minha experiência foi boa, mas alguém precisou morrer para que eu tivesse acesso ao mínimo de estrutura. a minha experiência foi boa porque “o show tem que continuar”.
fecho esse texto compartilhando o puro suco da contradição de ser uma swiftie sul-americana preocupada com as mudanças climáticas: ouvir, cantar e dançar as músicas da taylor swift, encontrar amigas que também são fãs, me sentir uma adolescente aos 28 anos de idade. essas coisas me distraem de pensar no fim do mundo o tempo inteiro, mesmo que a própria taylor & seu jatinho & sua turnê megalomaníaca contribuam materialmente para isso. e eu não acho que isso seja ruim, sabe, se distrair. é impossível viver pensando no colapso do clima o tempo inteiro, então eu me agarro a essas pequenas coisas que me tiram da preocupação crônica e levam para um lugar em que me sinto mais segura — como dançar sozinha no meu quarto a mesma música que eu ouvia há dez anos ou mais, quando o mundo que eu conhecia ainda me permitia sonhar.
um agradecimento especial à S. que viveu tudo isso comigo & um abraço,
luana
❕nota sobre o timing desse texto: ele foi escrito e reescrito ao longo de muitas semanas e toda vez que mexia nele, percebia que algumas coisas não valiam mais, então editava mais um pouco. depois, o tempo foi passando e fazia cada vez menos sentido publicar esse relato. ao mesmo tempo, era o texto mais avançado que eu tinha, então quando sentia vontade de escrever, voltava nele. acho que nunca editei tanto um texto. publico para não editá-lo mais e abrir espaço para outras reflexões.
Esse texto me contemplou demais... toda a passagem da Taylor no Brasil foi um sentimento agridoce. Uma mistura de sonho de tantas pessoas realizado, com uma tragédia que reflete uma estrutura capitalista e nem um pouco humana que explora - seja essas pessoas fãs, adolescentes, latino-americanos.. foi difícil tentar dividir tudo isso.
Eu fui pro mesmo show e tive uma experiência parecida, muita ansiedade antes, crise de pânico quando eu soube da morte da Ana, e depois tudo certo no meu show. Eu fui de cadeira inferior e nem cheguei a me molhar. Mas ao mesmo tempo eu tinha essa culpa de sobrevivente. Até a música que eu queria ela tocou, Dancing with our hands tied, e o choro dessa já emendou no choro da seguinte.
Eu tô tentando escrever sobre tudo isso também e não consegui ainda