é sábado de manhã e um amigo disse que ia ter um ciclone hoje. o barulho da chuva é uma constante há pelo menos dezoito horas, com ventos fortes e trovoadas aqui e ali. está tudo molhado. a chuva entrou pela janela da sala e tem três goteiras na cozinha que eu ainda não me dei ao trabalho de arrumar. um mofo preto se espalha pelas paredes do banheiro e eu não sei se as toalhas de banho secam melhor dentro ou fora de casa.
quando matérias sobre o el niño começaram a circular semestre passado, sempre acompanhadas de gráficos complexos, confesso que não dei atenção. a mensagem, entretanto, era simples: vai ser intenso, preparem-se. agosto chegou, trouxe chuvas infinitas e não dá mais pra ignorar. aos desavisados, um breve resumo: com o el niño, a temperatura do oceano pacífico aumenta e mais calor é liberado na atmosfera. só que, por conta das mudanças climáticas, os oceanos já estão superaquecidos & o planeta já está mais quente e essa soma de fatores resulta em eventos naturais extremos. no brasil, nesse trimestre, o el niño vai causar chuvas acima do normal na região sul e abaixo do normal nas outras regiões, além de deixar o país todo mais quente. ciclones, tempestades, enchentes, seca, desabastecimento e muito calor, tudo ao mesmo tempo.
(respiração profunda) lembra quando falar do tempo costumava ser conversa de elevador e não um tema a evitar porque é desesperador demais? afinal, o que devo fazer com as notícias que leio? como processar essas informações? como equilibrar as demandas de hoje com as demandas do futuro? como se preparar? ou não tem como se preparar? como manter o sonho e a esperança vivos nesse contexto?
enquanto escrevo, E. está no outro quarto aprendendo a fazer nós no youtube. minha mente, catastrófica, encontra consolo na ideia de que ele será um bom companheiro para o fim do mundo. penso, então, que seria bom aprender atividades que possam ser úteis em contextos climáticos extremos, assim como E. está fazendo, mas não faço qualquer movimento em direção a esses aprendizados. ao mesmo tempo, quando penso em praticar atividades que me interessam hoje — escrever poemas, pintar, costurar ou até iniciar uma graduação nova — começo a achar que elas serão de pouquíssimo valor num planeta devastado, que estarei perdendo meu tempo e desisto de praticá-las. a ecoansiedade paralisa, me deixando presa entre a preocupação & a dúvida.
esse el niño serve pra lembrar, caso a gente tenha esquecido ou escolhido ignorar, que já estamos vivendo as consequências do colapso climático e que as previsões para o futuro não são boas. no fundo, eu sei, mesmo que a ansiedade me diga o contrário, que entrar em desespero só piora as coisas & que não se sabe, de fato, como o futuro vai se desenhar. como Jonathan Franzen destaca nesse texto para a revista piauí, “o apocalipse climático […] é uma bagunça. ele assumirá a forma de crises cada vez mais severas que se agravarão caoticamente até a civilização começar a se esgarçar e por fim se desfazer.”
Franzen ainda sugere que é melhor admitir que não somos capazes de evitar o apocalipse climático, pois só assim vamos conseguir nos preparar — preparar, não resolver, nem “salvar o planeta”. apesar de publicado em 2019 (textos pré-pandêmicos soam um tanto irrisórios pra mim), eu gosto da perspectiva que ele traça, especialmente mais pro final quando fala de esperança.
“Se sua esperança para o futuro depende de um cenário desenfreadamente otimista, o que você fará daqui a dez anos, quando o cenário se tornar impraticável, mesmo em teoria? Desistir de vez do planeta? Continue, sim, a fazer a coisa certa para o planeta, mas tente também salvar o que você ama especificamente – uma comunidade, uma instituição, uma localidade ainda intocada, uma espécie ameaçada – e anime-se com suas pequenas conquistas. Qualquer coisa boa que você fizer agora será sem dúvida uma cobertura de proteção contra um futuro mais quente, mas o mais importante é que é bom hoje. Enquanto você tiver algo para amar, terá motivo para nutrir esperança.”
o que eu mais gosto nesse texto, entretanto, é que ele foi escrito por alguém que entende a urgência climática e continua escrevendo romances, uma atividade que pode não ter valor num contexto apocalíptico (vai saber!), mas tem valor hoje.
a chuva me deprime e eu sinto muita falta do sol, mas gosto de pensar que as plantas devem estar felizes com a abundância de água. mesmo assim, preciso lembrar constantemente de reclamar menos: os ventos fortes levaram algumas telhas e não lembro a última vez que saí de casa, mas não fui atingida por enchentes ou desabamentos. por enquanto, a chuva infinita é apenas um inconveniente e um lembrete do futuro que herdei.
luana
ainda no tema el niño, o décimo episódio da primeira temporada de the morning show (série da apple tv+ que recomendo muito) começa assim:
“Você já se perguntou por que se chama assim? El Niño. Começou com algo tão pequeno e insignificante: uma anchova. Veja, as anchovas prosperam em águas temperadas. Então, quando os ventos alísios equatoriais trouxeram águas mais frias para oeste, elas assaram lentamente sob o sol forte. E quando as anchovas chegaram até Chimbote, no Peru, que é a capital internacional da anchova, as águas estavam quentes demais para os peixes habitarem. É muito triste. Oh, não! Fica pior. A economia sofreu. Quer dizer, todos sofreram, não só as anchovas. A aves marinhas que se alimentavam delas, os gansos, biguás, pelicanos, todos morreram. Assim como os animais que se alimentavam deles. E como esse fenômeno sempre coincide com a celebração no nascimento de Cristo, eles o chamaram de El Niño de Navidad. “O menino do Natal”. Qual é, você precisa dar um reconhecimento aos peruanos! Tipo, algo tão destruidor numa embalagem tão inofensiva. “O menino do Natal”. Quer dizer, essa coisa que parece tão insignificante, ventos que fazem a água ficar quente demais para esses pequenos peixes sobreviverem, mas não. É um prenúncio de algo que deixa tudo fora de controle. Sabe, secas, enchentes, tempestades. Grandes eventos climáticos. Mas não há nada que se possa fazer para parar os ventos de soprarem. Então o que você faz ao ver todas aquelas anchovas de barriga para cima na água? Você continua. E se prepara para o pior.” (tradução livre)
pra se emocionar & ficar um pouco triste, sim: finn and the bell, a história de um menino que tirou a própria vida e como a comunidade se mobilizou para realizar um sonho que ele tinha. (podcast em inglês)
pra rir & esquecer o fim do mundo: bottoms. ⭐⭐⭐⭐⭐
pra cozinhar: o “cookie da billie eilish”, mas fiz a receita sem pedaços de chocolate e deixei assar por mais tempo pra ficar crocante. ⭐⭐⭐⭐⭐