aconteceu: cozinhei ostras pela primeira vez.
o bairro onde moro tem uma das principais fazendas de produção de ostras do brasil e eu estava esperando por esse dia desde que me mudei. nunca as tinha preparado antes — na verdade, consigo contar nos dedos de uma mão as vezes que as comi. metade da minha família é do litoral, mas ostras nunca estavam no cardápio: o que mais comíamos era peixe frito ou grelhado acompanhado de arroz e feijão (clássico) & camarão ensopado ou no risoto (especial).
mesmo com um paladar pouco experiente no assunto, eu sabia o que eu queria comer: ostras grandes, no bafo, acompanhadas de algo suculento & refrescante. limão, azeite e pimenta eram obrigatórios, por isso decidi que um vinagrete faria bem o trabalho. assim, na companhia de B. e E., fui atrás dos ingredientes.
eu precisava de tomate, cebola roxa, e coentro, mas na feira do bairro só tinha cheiro verde. tudo bem, com salsinha e cebolinha combinadas ia dar certo também. vi uns pepinos japoneses e pensei que eles trariam frescor & crocância. eu tinha limão-cravo em casa, então não precisei pegar tahiti na feira — nada contra limões tahiti, inclusive gosto da praticidade de espremer um limão sem semente, mas eu buscava suculência máxima e o limão-cravo é imbatível nesse aspecto.
agora só faltava elas.
aqui no bairro tem tanto rancho de ostra que é difícil decidir em qual parar quando você ainda não é freguês. até que E. lembrou de já ter visto um perto de casa que sempre estava cheio de gente: se tá cheio deve ser bom, pensamos.
o rancho de madeira do iris e da letinha ocupa o pequeno espaço que separa a rodovia do mar. não tinha ninguém lá dentro quando chegamos, mas avistamos um barco próximo com um senhor, vestindo apenas bermudas, que parecia estar indo buscar ostras frescas. recém colhidas, elas estão cobertas por algas. já vi, em outro rancho, pescadores usando um lavo-jato para tirá-las. as ostras limpas, prontas para serem vendidas, estavam dispostas perto da entrada, ao lado de uma balança.
iris manobrou seu barco com a ajuda de uma vara de bambu e veio nos atender. a dúzia de ostras grandes era R$17: doze unidades é a quantidade ideal para uma pessoa, na minha opinião. o cheiro delas era o mesmo cheiro do mar, do jeito que tem que ser. decidimos levar três dúzias: ele adicionou duas unidades de brinde, arredondou o valor final, nos entregou um cartão de visita e a sacola. dei tchau com a certeza de que iria voltar.
em casa, era hora de começar os trabalhos. higienizei a pia e coloquei as 38 unidades de ostras dentro dela. com uma escovinha, limpamos cada uma delas. é importante lavar bem a concha: no bafo, a ostra se abre e a água onde é cozida entra em contato com o interior comestível.
a primeira sensação que me veio quando coloquei as ostras na pia, observei suas cores, senti seu cheiro marinho e suas texturas, é que eu estava manipulando algo sagrado, religioso até. por alguma razão, símbolos da igreja católica me vieram à mente, imagens que não passavam pela minha cabeça há anos retornando naquele momento. senti que devia respeito àquelas ostras. mais tarde, me senti quase próxima delas: se fossem pessoas, com certeza seriam introvertidas & guardariam muita coisa para si.
depois de limpas, posicionei elas com cuidado numa panela grande, de maneira que ainda fosse possível cobrir com a tampa, e adicionei um pouco de água no fundo, só o suficiente para cobrir a primeira camada de ostras. não precisa de sal, pois elas já são naturalmente salgadas. coloquei a panela sobre o fogão e acendi o fogo. quando as cascas se abrem, estão prontas — o que, nesse caso, levou cerca de 20 a 25 minutos cozinhando em fogo médio.
enquanto as ostras cozinhavam, preparamos o vinagrete. tomate e pepino picados em cubinhos. cebola roxa também, mas, antes de incorporá-la ao resto dos ingredientes, deixei os cubos de molho no suco de limão com sal por cerca de 15 minutos, depois lavei com água corrente. com os verdes picadinhos, está tudo pronto para a finalização: mistura, mistura, adiciona sal, pimenta do reino & rosa, azeite, mistura, mistura.
é hora de comer. ao me servir, peguei a ostra e a abri com cuidado. dividida em dois, a concha possui uma metade reta e outra côncava. ali dentro, a ostra se mantém presa às paredes internas por um pequeno músculo, firme mas macio. com a ajuda de uma colher, desgrudei-a da concha e a posicionei na metade côncava. cobri a ostra de vinagrete com bastante caldo, mais um pouco de pimenta e um fio de azeite. pronto: agora é só botar pra dentro.
eu sabia o que queria comer quando pensei nas ostras aquela manhã e o que senti depois de prepará-las, quando a reunião de sabores e texturas entrou em contato com o meu paladar, era exatamente o que eu estava esperando.
agradeço ao mar, ao iris, a B. e E. por cozinharem & comerem comigo, a você por ler esse relato-receita. quero tornar ostras a minha especialidade e cozinhar para minhas visitas enquanto eu morar no ribeirão. ainda quero prová-las com uma lâmina de gengibre ou um pesto de azeitonas escuras & escrever mais relatos-receitas.
abraços marinhos,
luana
o texto da alicia kennedy sobre luto & ostras acendeu em mim a vontade de comê-las. já o texto abaixo, também escrito por ela, me dá vontade de prová-las cruas, na beira do mar aqui no bairro.
recentemente fiz novos testes: depois de cozinhá-las no bafo, finalizei no forno com um pesto de manjericão. a água que saiu delas somada ao azeite de oliva trouxe suculência & muito umami, mas senti falta de refrescância. ainda bem que limão sempre resolve.
Que lindo!!!!! Amei esse texto!!!
Eu acho que nunca comi ostra por nojinho, mas teu texto me fez ficar com MUITA VONTADE DE COMER!!!!!!!!!!!!!
Amei!
luana, adoro seus textos e fico feliz de acompanhar esses compartilhamentos. tenho família no litoral e já ouvi histórias carinhosas sobre ostras em refeições, mas acho que nunca tive vontade de experimentar... até hoje. a sua descrição do processo e ingredientes foi muito interessante e envolvente :)