durante o primeiro ano de pandemia, eu convivi com apenas três pessoas e, mais tarde, minha família. nesse período, me afastei de muita gente, mas me aproximei de outras: fiquei fisicamente longe do meu núcleo familiar, mas nunca estive tão próxima deles. a gente se ligava todo dia, passávamos datas comemorativas juntos, jogávamos stop e assistíamos filmes através do celular. o mesmo aconteceu com algumas amizades que eu classificava como “melhores amigas”. inicialmente, pensei que essa experiência serviu pra mostrar quais relações eram importantes e quais eram apenas convenientes, mas hoje discordo dessa classificação.
a pandemia causou muitas rupturas, mas, mesmo que algumas relações tenham ficado nos anos a.C. (antes do Covid), não quer dizer que as pessoas de quem nos afastamos não tenham sido conexões importantes em algum momento. agora, com a vida social voltando a existir, estou num movimento ativo de rever amigos: alguns eu encontro na rua, outros eu visito ou aparecem aqui em casa. tem aqueles que demoram pra responder e o convite se perde e tudo bem. o mais rico nesse processo está sendo perceber que existe sazonalidade nas relações.
a partir disso, eu tenho pensado muito sobre rede: o grupo de pessoas afetivamente próximas à você que te dão múltiplas possibilidades de apoio e suporte. a volta à “normalidade” pós-vacina tem estimulado minhas reflexões sobre o assunto, assim como os estudos sobre não-monogamia.
a monogamia nos ensina que quando encontramos um parceiro ou parceira, passaremos o resto de nossos dias juntos/as numa escalada relacional baseada, normalmente, em ficar, namorar, noivar, casar, morrer ou ficar viúvo/a. essa pessoa proverá segurança, estabilidade e todo o apoio que precisamos, pois tudo isso estará centralizado no parceiro ou parceira, assim como ele ou ela vai centralizar tudo em mim. fiquei ansiosa só de escrever esse parágrafo.
um ano depois de começar a namorar, eu percebi que a maioria das pessoas com quem eu estava convivendo eram amigos do meu namorado. mesmo que essas pessoas fossem legais, eu percebi que não queria (e não precisava!) abrir mão de uma relação em detrimento de outras e mandei mensagem pra todas as minhas amigas naquele mesmo dia. acredito que muita gente passou por uma situação parecida e é normal que a gente dê mais atenção para algumas pessoas em momentos específicos da vida. mas limitar a construção de relações limita a construção de redes e a monogamia acaba fazendo isso de várias maneiras: usando ferramentas como o ciúme ou a ideia que em uma relação afetivo-sexual você sempre vai ter alguém do seu lado; a primeira coloca o mundo como inimigo da relação e a segunda acaba gerando ansiedade e frustração para alguém em algum momento.
usar exemplos de amizade é uma boa estratégia pra falar sobre a sazonalidade inerente das relações, pois temos mais facilidade de entender que toda relação tem um tempo. a monogamia, por sua vez, nos ensina que, quando a relação é afetivo-sexual, precisamos estar em todos os momentos com aquela pessoa e precisamos abrir mão de certos desejos e vontades para construir tal relação.
quando buscamos apoio, nem sempre a(s) pessoa(s) com quem a gente se relaciona afetivo-sexualmente pode, ou mesmo quer, proporcioná-lo a você. o apoio pode vir da sua vizinha, do amigo que mora com você, do colega de trabalho que passou por uma experiência parecida, um grupo de pessoas que você conheceu em viagem e com quem conversa por mensagem de vez em quando porque vocês moram em cidades diferentes. cada um oferece o apoio que pode e eu acredito que a construção de redes acontece através do cultivo de relações potáveis.
“Se no mundo colonial as relações com nosso território emocional também são agrotóxicas, como redução de danos podemos pensar em relações potáveis como um horizonte possível. Aqui, lembramos que a água potável não é um líquido em que não há substâncias tóxicas, mas é aquela em que esses fatores estão reduzidos a um nível que não nos prejudica. A água saudável para nosso consumo não é pura, é potável. Nesse sentido pensamos na potabilidade não como uma ausência de toxinas, mas como uma redução delas a um ponto que não nos destrua.”
— geni núñez
⠀
⠀
depois de todos esses parágrafos, queria tirar meu cavalinho da chuva e dizer que eu não tenho muita propriedade no assunto da não-monogamia. o que tenho no currículo é minha pouca experiência prática, pensamentos em excesso e o curso da geni núñez que fiz esses tempos e indico super! ela está frequentemente abrindo turmas e o dinheiro é sempre direcionado para o movimento indígena.
até a próxima e desculpa incomodar.
luana