estou numa chamada de vídeo com S. ela está em jaraguá do sul, nossa cidade natal, sentada na frente de seu computador, escrevendo. quanto a mim, estou em florianopólis, cidade que escolhi morar, em frente ao meu próprio computador, também escrevendo. nossas teclas fazem tec-tec-tec.
toda quarta-feira, vamos nos encontrar às 14h para escrever & conversar sobre escrita durante uma hora. a escolha do horário para o encontro foi proposital: sugeri que acontecesse no meio do dia no meio da semana justamente para que houvesse uma ruptura nas atividades corriqueiras do dia a dia — geralmente relacionadas ao trabalho remunerado. S. concordou: a escrita tem um lugar tão importante na vida dela quanto tem na minha.
adquirir o hábito de escrever aconteceu involuntariamente e esteve atrelado a um processo de investigação pessoal: um caderno de desenhos que comprei para a faculdade, em 2014, se tornou meu primeiro diário. hoje, sigo me investigando através da escrita. acumulo mais de trinta diários e esse projeto de newsletter — que apenas transformou o que eu escrevia para mim e ninguém lia em algo que sigo escrevendo para mim, mas umas cem pessoas leem. com isso, selei um compromisso e passei a buscar semanalmente um momento para escrever sobre o que eu estava sentindo. mas esse momento não aparece toda semana e é nesses períodos que você não recebe meus e-mails.
usar a escrita como ferramenta de digestão da realidade e usufruir dela só quando me convém me faz ter uma boa relação com o ofício — porque não é um ofício. eu acabo escrevendo quando quero, sobre o que eu quero, e isso é extremamente confortável. sob essas circunstâncias, a escrita flui e eu chego facilmente em resultados que me deixam satisfeita.
então um novo ano começou e eu decidi que queria escrever mais. exercitar diariamente, estudar, praticar em grupo, ler sobre o assunto. foi isso que me levou às chamadas de vídeo com S. nas quartas à tarde. já com outro grupo de pessoas, eu leio & escrevo poesia nas segundas à noite. nas quintas, eu tenho aulas de encadernação com a editora casatrês que troco por (ainda futuras) resenhas de seus livros publicados.
agendar horários para escrever, especialmente com outras pessoas, me pareceu uma boa ideia pra inserir cada vez mais essa prática na minha semana. confesso, porém, que me frustrei rapidamente. não com os encontros ou os exercícios, mas quando percebi que, ao sair da minha zona de conforto, escrever é muito difícil.
eu não estava preparada para a quantidade de textos ruins que eu ia produzir ao escrever com mais frequência. mais do que isso, com hora marcada, agora eu pratico sob circunstâncias que eu também não estava acostumada: passando calor, com fome, com barulho, com mosquitos me picando. escrevo até sem vontade de escrever. acredito, porém, que algumas coisas são tipo a letra U: primeiro desce, depois sobe, e a escrita talvez seja uma sequência infinita disso.
UUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU…
certa vez, eu queria ler mais. busquei dicas na internet e me deparei com essa: não romantize o momento da leitura. acredito que muitas pessoas se visualizam lendo em um sofá confortável, extremamente relaxadas sob uma luz cálida e imersas na atividade. isso provavelmente não vai acontecer com a frequência necessária para fazer da leitura um hábito, mas não quer dizer que não vai haver tempo pra ler. a leitura pode acontecer na fila do banco, no ônibus, enquanto se espera alguém. às vezes, vamos ler quarenta páginas de uma vez, outras, apenas uma. o importante é desconstruir a ideia do Momento Ideal, e vejo que com a escrita é muito parecido.
apesar disso, é importante para mim sempre retornar à zona de conforto. é só ali que eu consigo editar & revisar um texto, costurar os parágrafos, preencher os espaços vazios e chegar numa conclusão. como essa, por exemplo: hoje está finalmente fresco depois de semanas de calor intenso. a edição desse texto, que está aberto no meu navegador há duas semanas, é a primeira atividade do dia. minha mente está limpa, meus ombros sem nós. a casa está em silêncio e a ansiedade ainda não bateu à porta. o ponto final se aproxima.
chegou.