antes de começar: eu escrevi esse texto na última sexta-feira, 6 de janeiro. dois dias depois, a conjuntura do país mudou completamente. por isso, as palavras a seguir soam um pouco desassociadas da realidade. nenhum brasileiro está chocado.
animo galera tudo vai melhorar depois da copa 2014, disse petkovic no twitter. demorou nove anos, mas parece que as coisas, finalmente, estão começando a melhorar. coincidência ou não, esse tweet é de 13 anos atrás.
eu costumava dizer que a última vez que sorri foi em 2012. e eu fui genuinamente feliz em 2012 — o mais feliz que é possível ser quando born to die da lana del rey é a trilha sonora do seu ano. eu conheci luiza, me formei no ensino médio, ganhei meu primeiro (meio) salário mínimo de carteira assinada.
em 2013, sei lá, tudo desandou. na minha vida & no brasil. e tenho a sensação de que só agora é que vou saber se as minhas crises não são apenas respostas inconscientes de viver em um país em crise.
você deve lembrar de 2013. não é só pelos 20 centavos, estava escrito nos cartazes. beleza, mas aí ninguém sabia sobre o que era. parecia que cada um tava na rua por um motivo próprio. autores que li dizem que foi uma grande crise institucional que, posteriormente, nos levou a televisionar o golpe de 2016. pela minha família, eu voto sim! gatilho.
aí a gente teve um não-governo que se transformou num desgoverno e o tweet do petkovic foi ficando cada vez mais com cara de maldição. as coisas estavam piorando muito e não melhorando. alô, socorro?
sei lá, tem uma coisa inerente a ser brasileira que é ser triste também. uma vitória nunca é uma vitória de verdade. talvez ainda restem vestígios da ditadura que eu nunca vivi graças a deus, mas que terminou só uma década antes da minha existência começar. eu nasci junto do plano real. e como nunca saí do brasil & vivi toda minha adulteza imersa num conjunto de crises, não tenho como saber se essa coisa da tristeza intrínseca é real ou não — é tudo que eu conheço. mas somos o país do samba e o samba precisa de um bocado de tristeza, não é assim que vinícius canta?
é melhor ser alegre que ser triste/ alegria é a melhor coisa que existe/ é assim como a luz no coração/ mas pra fazer um samba com beleza/ é preciso um bocado de tristeza/ é preciso um bocado de tristeza/ senão, não se faz um samba não.
30 de outubro de 2022, segundo turno das eleições presidenciais. eu queria começar falando de 02 de outubro, mas sabe quando o cérebro bloqueia experiências traumáticas? acho que isso aconteceu porque não lembro de quase nada do dia do primeiro turno. um casaco de pele falsa, uma garrafa de vinho pedida no ifood, o centro da cidade lotado, um abraço suado no candidato à deputado estadual em cuja campanha eu trabalhei. só tenho flashes assim.
mas, beleza, 30 de outubro. publiquei uma newsletter sobre esse dia. no texto, me apropriei de um poema da eileen myles — “Estava sempre triste & querendo morrer. Isso é um fato.” não fui pra rua, tava com medo de perder as eleições e levar um tiro, sei lá. botei umas cervejas pra gelar, fiz um tabule, abri o google meet numa chamada com bruno e joão. um tava em são paulo, outro em goiás. acompanhamos a contagem de votos num site de apuração para pessoas ansiosas. um dos blocos no site era uma previsão da márcia sensitiva quanto a vitória de lula: quando a gente tava perdendo, a previsão não saia dos 50,0%. márcia sabe bem que a mentira é antídoto pra ansiedade.
o que pareceu uma eternidade depois, os votos dos estados do nordeste foram sendo contabilizados. a barra que representava lula começou a aumentar e a outra foi diminuindo. a tela do computador foi preenchida pela cor vermelha e, de repente, o jogo literalmente virou. bruno berrou da janela do apartamento e eu filmei. eu gritei também, mas só as árvores e as gralhas devem ter ouvido.
do dia que a gente ganhou as eleições até o fim do ano, eu parei de sorrir. o desgoverno ainda tinha poder e agora, perdedores, podiam fazer merdas piores. a cada notícia que eu lia nesse período, a vontade de morrer aumentava.
mas “a esperança é a última que morre” é um ditado brasileiro. não é à toa que paulo freire é pernambucano & não é à toa que vinícius de moraes segue cantando: porque o samba é a tristeza que balança/ e a tristeza tem sempre uma esperança/ a tristeza tem sempre uma esperança/ de um dia não ser mais triste não.
no dia da posse eu me emocionei. porra, é claro que eu me emocionei. quem passou a faixa pra ele foi o povo brasileiro, literalmente. & ele chorou como um deles.
a gente cobra e critica em primeiro de janeiro, eu dizia o tempo todo desde que lula anunciou sua candidatura à presidência da república. mas janeiro chegou e não me sinto pronta pra isso. não quero criticar, quero celebrar as poucas conquistas que estamos, devagarinho, alcançando. ou será que é coisa de brasileiro achar que as conquistas são poucas sempre? que as coisas boas nunca são suficientes porque logo algo ruim vai acontecer? será que nunca vamos comemorar de verdade, será que sempre vai ter essa pulga atrás da orelha, esse gostinho amargo na boca? será que é por isso que nos agarramos à esperança?
esperança é brasilcore e eu sou bra-si-lê-ra. por isso, espero que sim: espero que a gente seja feliz de novo.
eu amo os teus textos!