foi no primeiro verão pós-pandemia que eu senti uma sensação de nostalgia que cresce e me acompanha até hoje. estava de férias do trabalho, passando uns dias na casa da minha mãe. meu pai estava muito doente, eu estava voltando a ter crises de ansiedade e sair de casa não estava nos planos, pois respirar era perigoso. estendi uma toalha na grama em frente à casa, deitei sobre ela, olhei pro céu azul e senti como se tivesse 15 anos de novo. acho que a sensação de ser adolescente veio a partir de uma soma de fatores, como passar calor em jaraguá do sul, não sair de casa, estar me sentindo profundamente triste e entediada.
fazem quase dois anos que esse momento aconteceu e, de lá pra cá, eu senti essa mesma sensação diversas vezes. algumas me transportavam direto pra adolescência, outras pros primeiros anos da vida adulta. nenhuma sensação de nostalgia veio conectada à algum momento posterior a 2016 (ano em que passou a ser cada vez mais difícil ser brasileira, convenhamos). com o tempo, eu comecei a pensar que, inconscientemente, eu estava buscando experiências que me fizessem sentir como uma adolescente ou jovem-adulta de novo; não necessariamente porque esses foram bons momentos na minha vida — foram & não foram, assim como hoje é —, mas, eu acredito, eu buscava me reconectar com um tempo pré-pandêmico, onde o mundo não estava tão mergulhado em crises e quando eu ainda tinha um pai vivo.
esses dias, eu estava fazendo uma análise de tendências para um projeto e me deparei com pesquisas que falavam justamente sobre nostalgia, e algo que psicólogos chamam de “curva de reminiscência”:
A pandemia, lockdowns subsequentes e reaberturas regionais variadas distorceram a noção de tempo das pessoas. Os dias pareciam se arrastar, enquanto os meses pareciam passar em um piscar de olhos. Adicione a mudança repentina para adaptação de uma força de trabalho remota em vários fusos horários e o conceito de tempo parecia inexistente.
Cientistas batizaram essa percepção de falta de tempo como “paradoxo da quarentena”. O tempo se tornou um ponto focal coletivo – de encontrar formas para fazê-lo passar ou desfrutar dele. As pessoas também estão buscando atividades calmas e alegres, que lembram um período mais simples da era pré-pandemia. Essa percepção de tempo e memória compõe um traço comportamental mais amplo, chamado por psicólogos de “curva de reminiscência”.
Quando as pessoas perdem a percepção do tempo, a nostalgia pode ajudá-las a se manter no presente. Estudos mostram que a maioria das pessoas lembra claramente de experiências entre os 15 e os 25 anos – anos de formação cheios de ‘primeiras vezes’ (o primeiro amor, o primeiro emprego, etc). Psicólogos chamam isso de “curva de reminiscência”, algo que será muito relevante enquanto tentamos deixar para trás o caos da pandemia.
Fonte aqui.
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eu me vi buscando situações que me fizessem sentir em outro tempo: quando eu ativamente mandava mensagem para alguma pessoa com quem não conversava há anos, quando assistia uma saga de filmes da qual fui muito fã, relia um livro ou dançava fortemente ao ouvir um álbum “da minha época”. acho que até o fato de querer fazer carteira de motorista tem um pouco a ver com isso, afinal, aprender a dirigir é tão tenho-18-anos; comidas não-veganas, um cigarro, uma cerveja específica, frequentar um lugar onde eu costumava ir quando era mais jovem: estes também são itens que podem ser incluídos na lista de coisas que me trazem nostalgia.
relendo os parágrafos que escrevi até agora, tudo soa como se eu não estivesse aceitando o fato de que estou envelhecendo. não posso dizer que não é isso, afinal, estou com vinte e sete anos e sabe-se lá o que eu vou sentir quanto mais velha ficar. não quero ser aquelas pessoas de meia-idade que nunca superaram a adolescência, mas algumas coisas a gente não controla. a questão é que eu tenho certeza absoluta que não sou só eu. assim como a morte de uma pessoa próxima, a pandemia foi uma grande ruptura nas nossas vidas e eu não acredito em quem diz o contrário. esse artigo fala sobre o que cientistas estão chamando de “cérebro pandêmico”, com sintomas de depressão leve e a incapacidade de focar e terminar tarefas. o mundo que conhecíamos mudou e estamos, claramente, mudando com ele.
o que eu tenho feito, nem sempre de maneira ativa, é encontrar padrões de sintomas pós-pandemia: nas pessoas, nas pesquisas e nas artes. o mundo pós-covid é um mundo compartilhado e, não sei você, mas eu adoro encontrar um pedaço de algo com o qual me identificar. o último álbum da maggie rogers, por exemplo: pra mim, ele traduz de muitas maneiras o que tenho sentido nesses últimos dois anos. e é aqui que tá: se eu tô sentindo, provavelmente tem mais gente sentindo também. artistas e comunicadores com plataformas, cientistas que publicam, etc, apenas colocam isso no mundo e são ouvidos/lidos/consumidos.
Coming up for oxygen The world's the same, but something’s changing You see it on the street again Lighting up the strangest faces And it feels like that Sweeter than the best you've ever had And, oh, it takes me back To being sixteen, dancing like you're under attack — I know there's people everywhere with injustice on their lips And there's this open wound bleeding between my hips And I'd be lying if I told you I wasn't scared I'm scared, I'm scared, I'm scared, I'm scared I'm scared and I've got all this anger trapped so deep inside That started burning the summer my heroes died And I just wish that I could hear a new Bowie again link
esses dias estava refletindo sobre porque eu escrevo & publico, de onde vem essa urgência em tirar as coisas de mim e fazer elas dos outros. percebi que vem desse mesmo lugar de busca por identificação: se alguém se identificar com o que eu escrevi, quem sabe ela se sinta mais pertencente — a quê? ao mundo, talvez; à cultura, ao presente, não sei.
você tem se sentido nostálgica também?
até a próxima!
luana