eu queria que esse texto tivesse saído na terça. não deu. estou ocupada, busy. a vida adulta me pegou dum jeito. isso faz com que eu tenha milhares de coisas pra escrever sobre e zero tempo pra efetivamente fazê-lo, por isso quero informar — e eu sinto que devo explicações — que essa newsletter vai, temporariamente, ter texto novo quando for possível ter texto novo. voltarei a ter um dia fixo depois de entregar todos os projetos pros quais eu disse sim & depois que as eleições passarem, afinal, cá estou eu trabalhando em mais uma campanha eleitoral mesmo dizendo que nunca mais faria isso. esse é o meu jeitinho.
agora, vou tentar puxar um gancho desse primeiro parágrafo justificativo pra falar do que eu já estava planejando escrever há algumas semanas, mas não abri espaço para fazê-lo: mãos. estas que escrevem — ou, de maneira menos bonita, mãos com dedos que clicam em teclas repetidas vezes, com velocidade, mas pouca certeza.
acho que entrei na pira da admiração das mãos quando iniciei um processo (ainda em andamento) de aprender a gostar do meu corpo. pensei que se eu parasse de focar na estética e começasse a pensar na função (meu deus, essa frase é muito calouros do curso de design) — pensei que se eu focasse no que cada parte do meu corpo era capaz de fazer, quem sabe, eu seria mais grata por ele, por mim. acho que funcionou um pouco.
eu tiro muitas fotos das minhas mãos. no fim, gosto bastante delas; vou descrevê-las: brancas, pequenas. unhas também pequenas, pois sou uma ex-roedora de unhas que não vive sem um alicatezinho. tem uma cicatriz nas costas da mão direita, entre o polegar e o indicador, causada por cola quente enquanto eu fazia uma maquete para a aula de ciências na 3ª série; uma pinta reside na parte interna do anelar esquerdo; dois pontinhos foram tatuados logo abaixo das unhas dos dedos médio & anelar direitos; um calo nesse mesmo dedo médio, de tanto usar canetas, lápis e afins, ao lado da unha, faz a cutícula ser sempre grossa; o anelar direito, enquanto isso, é levemente entortado pra dentro, em direção ao dedo do meio, pois até os cinco anos este foi o dedo que chupei; o mindinho direito é bem mais separado do que os outros são entre si e eu acredito fortemente que é pelo uso excessivo de aparelhos celulares; a mão direita é bem mais calejada que a esquerda, pois sou destra, mas, no geral, ambas são macias; as juntas, grossas; as cutículas, intactas.
comecei a usar esmalte e anéis com bastante frequência nos últimos meses. parei de me importar com o petróleo da fórmula e o lixo que produzo por pintá-las. por enquanto, só me importa a estética. os anéis são alocados geralmente nos indicadores; às vezes no dedo médio direito (tenho muita coisa para falar desse dedo, ele deve estar sobrecarregado). acho incrível que posso adorná-las & elas ficam ainda mais bonitas considerando tudo que são capazes de fazer: desenhar, pintar, escrever, esculpir, coçar, coletar, cozinhar, fechar, abrir, massagear, apertar, clicar, segurar literalmente qualquer coisa ou quase, virar páginas de livros, brincar de skate de dedo, limpar gotas de molho da blusa, conjurar jutsus, transmitir energia, trazer conforto. além da capacidade de serem adornadas. é um ciclo infinito onde uma coisa deixa a outra mais bonita e assim por diante.
aí que esse não seria um texto da minha newsletter se eu não falasse do meu pai (aloka). mas é sério: eu tenho uma memória muito nítida, forte e especial que tem a ver com as mãos dele. em primeiro lugar, eu sempre admirei as mãos do meu pai. elas trabalharam pesado e tornaram minha existência possível, além de me aconchegar por vinte e cinco anos. eu as conhecia tão bem quanto as minhas. elas eram grandes, calejadas e com dedos que eram 3x o tamanho dos meus. eu não gostava quando ele não arranjava tempo pra cortar as unhas.
bem, quando as pessoas morrem, o corpo fica naquela posição que a gente conhece: deitado, rodeado de flores, com as mãos cruzadas em cima do peito. e o que eu mais lembro do dia que vi meu pai nessa circunstância é, justamente, de suas mãos. quando tive coragem de chegar perto do caixão, umas cinco horas depois do início de tudo, olhei pra elas e percebi que aquele não era meu pai: as unhas não estavam cortadas do jeito que ele cortava. aquele era apenas o corpo que ele deixou, meu pai já estava em outro lugar.
minhas mãos fazem o teclado soltar click, click. elas já estão doendo. estou aqui há mais de hora. “até a próxima”, meus dedos digitam.
luana