neste mês de julho, fazem cinco anos que me relaciono com E. isso significa – e eu fiz a regra de 3 pra confirmar – que eu passei 18% da minha vida com ele. e eu estou falando isso, neste texto intitulado “na cozinha”, porque o nosso relacionamento é, também, um relacionamento com a comida.
antes de sentar pra escrever, me servi uma taça de chardonnay, coloquei uma música e comecei a preparar um quibe. as berinjelas já estavam assadas, assim como o alho e a cebola. os coloquei em um processador com sementes de coentro e cominho e duas folhas de louro, todas tostadas & trituradas, mostarda, salsinha, pasta de amendoim, molho de coentro, sal e pimenta, um pouco de água pra bater. misturei ao trigo que já estava demolhado. untei a forma e despejei a massa que está assando justamente enquanto escrevo este parágrafo. duas batatas doces aproveitam o calor do forno para serem igualmente assadas, já que o gás está R$135,00.
rebobinamos a fita. agora estamos em julho em 2017 e é domingo. decido cozinhar e o menu é arroz e feijão. preparo o primeiro como se faz macarrão, literalmente: água em grandes proporções; escorro quando acredito que está no ponto. o feijão compro pronto – “só aquecer”, diz na embalagem. eu tinha consciência, claro, que esse produto era mais caro que um saco de feijão in natura, mas, como eu não sabia prepará-lo, fazia mais sentido comprar algo que eu ia, pelo menos, gostar de comer.
foi nessa época que conheci E. lembro nitidamente de um dia em que ele almoçou na minha casa e perguntou, preocupado, o que eu estava fazendo. arroz, eu disse. nesse dia, aprendi a medida “2 pra 1”. minha mãe nunca me contou e, mais tarde, descobri que ela também não sabia: colocava uma quantidade aleatória de água e requentava, com mais água, o mesmo arroz por vários dias. veja bem, eu não cresci com a melhor das referências.
lembro, agora, de uma troca de mensagens com E. quando ainda só nos conhecíamos através de avatares e tweets tristes: estávamos comendo a mesma coisa no mesmo momento. eu amo o registro dessa conversa, apesar de ter certeza que o espaguete dele estava melhor.
começamos a morar juntos e E. cozinhava todos os dias pra mim. no início, ouvíamos cosmo pyke e cookin’ with the miles davis quintet e ele preparava quiches e cinnamon rolls. em poucos meses, desistimos da cozinha francesa & sua manteiguice e decidimos nos tornar veganos. acho que nunca teria sido vegana se não fosse sua existência em paralelo com a minha.
passei anos o observando cozinhar, apenas na espreita, aguardando a próxima refeição que iria realinhar todos os meu chakras. assistimos inúmeros documentários sobre comida no netflix e pirateamos outros tantos. tínhamos nossos youtubers de comida preferidos. abrimos um negócio de marmitas e eu passei a cortar acelgas e folhas de couve aos montes até a pandemia dizer que chega.
observei tanto que aprendi, mas só descobri isso, claro, quando botei a barriga no fogão pra valer. E. arranjou um emprego fixo, eu passei a trabalhar em casa e, de repente, a responsabilidade de fazer o almoço era minha? pera, como assim? eu não sei cozinhar, vai ficar horrível! ok, calma. talvez se eu começar por uma cebola, um alho picado. azeite, claro. páprica, gosto. açafrão, sei lá, talvez funcione aqui. um pouco de pimenta do reino. quanto de água eu coloco nessa lentilha? ah, não tem ninguém aqui. ok, acho que assim tá bom. olha, tem quiabo e pimenta biquinho. talvez a baba do quiabo deixe o caldo mais grosso, sei lá. sal! meu deus, não posso esquecer do sal. algo me diz que mostarda dijon vai bem aqui. bom, seja o que deus quiser.
e, assim, fui aprendendo a cozinhar. entendo cada dia mais o papel da acidez, da gordura, do açúcar. provo um molho e consigo sentir suas camadas mais profundas, não apenas um gosto achatado. e se não tá bom ainda, eu sei como chegar lá, aos poucos, provando, adicionando, anulando o que passou do ponto com outro ingrediente. ah, a autonomia de preparar uma comida gostosa! sou eternamente grata a E. por me apresentar tudo isso; pela paciência de ensinar, por me ouvir, aceitar minhas peculiaridades e confiar que eu, também, consigo. afinal, cozinhar uma comida gostosa é o resultado de uma equação até que simples: vontade + prática + bons ingredientes. uma pitada de teoria ajuda.
hoje, dividir a cozinha com E. é aprendizado prático, não só observação. testamos juntos e ensino também. sinceramente, eu trocaria o restaurante mais caro do mundo por uma noite cozinhando com bons ingredientes ao lado dele enquanto ouvimos algum álbum meio jazz/pop/r&b que saiu no último mês.
mas, sim, um dia eu quero comer trufas na costa da croácia numa tarde de verão ensolarada e, se E. estiver comigo, consigo visualizar a cena perfeitamente: o rosto manchado de sol, os olhos tão azuis quanto o céu e o sorriso enorme & emocionado seguido de um “hahaha oooh boy, fffiiiuuu”.
um viva aos afetos e à comida boa.
abraços,
luana
⌒⌒⌒⌒⌒
uma playlist:
uma receita:
molho de coentro
3 maços de coentro fresco
suco de 1 limão médio
1/4 xíc. de vinagre
2 col. sopa de pasta de amendoim
1/4 xíc. de água
uma pitada de açúcar
1 col. chá de sal
bata tudo no liquidificador. se precisar, ajuste o sal e o volume de água com cuidado; se sentir dentro do seu coração que deve, modifique-a por completo – eu só fiz essa receita uma vez.
<3