antes de começar, gostaria de informar que eu vou fazer uma leitura de gênero particularmente binária nesse texto. inclusive, acredito que a existência da binariedade no imaginário das pessoas é a grande responsável por esse texto existir. não significa que estou de acordo com isso.
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a primeira vez que pensei criticamente sobre gênero, eu tinha 11 anos.
2006, 5ª série. transitar entre a infância e a adolescência talvez tenha sido uma das experiências mais traumáticas da minha vida. eu sofri o clássico bullying à la filme americano ou novela mexicana: meu corpo era infantil, eu tinha pernas e braços finos, cabelo volumoso, usava aparelho e óculos, era cdf. em todas essas histórias, a menina feia sempre ficava bonita no final e começava a namorar um cara.
eu não esperava ficar bonita nem namorar ninguém. pelo contrário: eu percebi, no auge dos meus 11 anos (e não nessas palavras, claro), que as meninas sofriam uma pressão estética que não era colocada sobre os meninos. nessa idade, as garotas já usavam sutiã, se depilavam, faziam a sobrancelha, usavam jeans justos e alisavam o cabelo (y2k vibes). enquanto isso, os garotos ainda agiam & eram tratados como crianças e tava tudo bem. pensei: quero ser um menino.
eu sabia que era possível “virar homem”, mesmo sem saber como se fazia isso: eu tenho uma prima trans de quem eu só ouvi falar, pois ela se mudou para a europa quando eu era criança. hoje eu entendo que, já naquela idade, eu só estava desesperadamente buscando alternativas pra não ter que seguir um padrão que eu não queria, nem conseguia, alcançar. se eu fosse homem, pensava, eu não passaria por aquele bullying, uma vez que os meninos não eram cobrados esteticamente da mesma forma.
só que diferente da minha prima, eu não sou uma pessoa trans. refletir sobre gênero dessa maneira, entretanto, não deixou de impactar minha vida. na época, minha primeira resposta foi passar a negar tudo que era fortemente categorizado como “de menina”. comecei a roer as unhas pra que elas ficassem menores, não usava maquiagem, nem esmalte, nem saia, nem babado, nem laço, nem brilho, nem vestido, nem rosa. usava-os pontualmente em eventos, onde essa binariedade de gênero é gritante. as mudanças foram sutis: eu não queria que percebessem que eu estava tentando ser menos feminina, mas, principalmente, porque eu também não queria ser uma pessoa masculinizada. eu não me via, nem me vejo, nesse lugar. eu só sentia raiva e repulsa por ter que seguir um padrão, aquele padrão.
fiz 27 anos recentemente e me sinto mais próxima dos 11 do que nunca: tenho refletido muito sobre gênero e quero seguir escrevendo sobre. a diferença é que, agora, eu tenho um vocabulário mais extenso que me permite nomear algumas coisas. ao mesmo tempo, fico pensando até que ponto preciso ou quero me apagar tanto às identidades.
ai, ai, vontade de ler judith butler. vamos montar um clubinho?
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pra ouvir:
pra ler: corda bamba, lygia bojunga (1981): livro infanto-juvenil que serve tanto quanto — ou até mais! — para adultos. sobre luto e escolhas.
pra assistir: candy (hulu, 2022): assassinato, suspense, justin timberlake.
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desculpa incomodar!
luana